Reportagem
que saiu na veja São Paulo, na íntegra. Todos nomes e fontes estão aqui sendo aqui
citados.
Bichos – Veja São Paulo Setembro de 2013
Covardia sem punição: chocantes episódios de violência contra
animais
Por
dia, são registradas duas denúncias de maus-tratos a cães, gatos e outros
bichos. Para acabar com essa barbaridade, protetores lutam por aplicação de
penas mais duras

6.set.2013(
por Carolina Giovanelli)
Um dos crimes mais chocantes cometidos contra animais que São
Paulo já acompanhou, a dona de casa Dalva Lina da Silva, que se apresentava
como protetora dos bichos matava os pets que recolhia nas ruas com injeções de
cloreto de potássio e de anestésicos no coração. Em janeiro do ano passado,
após uma denúncia, a polícia encontrou os corpos de 35 gatos e quatro cães
dentro de sacos de lixo na frente de sua casa na Vila Mariana.
Após o flagrante, Dalva prestou depoimento na delegacia e se
mudou da cidade (seu último destino conhecido era o Paraná). O caso está em
fase de inquérito. Mesmo que ela seja condenada, há pouquíssima probabilidade
de que vá parar na cadeia. De acordo com a legislação atual, “praticar ato de
abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou
domesticados, nativos ou exóticos” (artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais)
configura crime de menor potencial ofensivo. Trata-se de uma ocorrência com
pena de detenção que vai de três meses a, no máximo, um ano e quatro meses, em
caso de morte. Se condenada, Dalva pode trocar a pena por pagamento de multa,
prestação de trabalhos à população ou doação de cestas básicas ou pacotes de
ração.
Aos poucos, porém, estão sendo criadas medidas para dar mais
força aos direitos dos animais. Em um grande passo para a causa, começou a
funcionar em fevereiro do ano passado o Grupo Especial de Combate aos Crimes
Ambientais e de Parcelamento Irregular do Solo (Gecap). O órgão do Ministério Público
padroniza a atuação na área ambiental e delega a investigação dos casos a
promotores de Justiça especializados. Até julho deste ano, o grupo paulistano
já recebeu, principalmente por e-mail, mais de 1 000 denúncias de maus-tratos,
ou seja, cerca de duas por dia. Cerca de 600 delas viraram inquéritos policiais
e procedimentos investigatórios. Aproximadamente 200 resultaram em condenações.

Dois promotores, Vania Maria Tuglio e Carlos Henrique Prestes
Camargo, são responsáveis pelo Gecap. O departamento investiga também denúncias
ligadas ao meio ambiente, que englobam desde pichações até transporte de
produtos tóxicos. Cerca de 90% das denúncias que chegam até ali, no entanto,
estão relacionadas a crueldades cometidas contra cães, gatos e outras espécies.
A dupla trabalha em um escritório dentro do complexo do Fórum da Barra Funda.
Na sala abarrotada de processos há um quadro de São Francisco de Assis, o
protetor dos animais, e pequenos bibelôs de vários bichos. Vania e Camargo são
escolados na área. Em suas mais de duas décadas de carreira, já se bateram
contra rodeios e traficantes de espécies, entre outros casos. “Constantemente
enfrentamos frustrações em nossa rotina, pois lutamos para incriminar os
responsáveis e, no fim, eles são penalizados de forma muito leve”, lamenta
Vania. “A situação parece servir como incentivo para que continuem praticando
esse tipo de crime.”
No
próprio campo de atuação, enfrentam problemas comuns a quem convive com a causa
animal: a impressão dos colegas de que o assunto é de menor importância. Em uma
ocorrência recente, por exemplo, um rapaz chegou drogado a sua casa, na Vila
Carrão, na Zona Leste, e ameaçou os pais com uma faca. O casal chamou a polícia
e, enquanto a viatura não chegava, o rapaz matou a facadas o tucano de
estimação da família. Os promotores do Gecap enviaram a denúncia a um juiz, que
a considerou improcedente, pois acreditava tratar-se de uma ação
insignificante. Vania e Camargo precisaram fazer, então, uma apelação dizendo
que a ave era importante para o ecossistema, e conseguiram a reconsideração do
pedido. “Essa batalha nós vencemos”, comemora Camargo. O responsável pela
agressão responde a um processo no momento.
O
dia a dia do órgão envolve vários outros casos de cortar o coração. Num deles,
foi preciso salvar um cachorro que ficava preso permanentemente em uma coleira
tão apertada que seu pescoço já estava todo cortado. Outra ocorrência, que está
em fase de investigação, diz respeito a um veterinário que enforcou até a
morte, na frente do dono, um cão em sua clínica. Segundo uma das de núncias, um
rapaz arremessou um gato preto diversas vezes contra o chão até vêlo sem vida.
Foi condenado. Pena: pagamento de dois salários mínimos. Tráfico de animais
silvestres contrabandeados em mochilas ou caixinhas também se dá com frequência.
As ocorrências mais urgentes são encaminhadas à polícia. Quando se trata de
algo que não oferece perigo de vida, o atendimento pode demorar cerca de um
mês. No Gecap, entretanto, algumas denúncias recebidas resultam improcedentes.
Muitas vezes, não passam de picuinhas entre vizinhos.
Para tentarem virar o jogo contra a impunidade, os simpatizantes
da causa se organizaram em duas passeatas recentes. No último dia 18, cerca de
800 pessoas se reuniram na Avenida Paulista para defender o aumento da pena
para agressores de animais, por meio da reforma do Código Penal. Os
participantes levavam cartazes com dizeres como “O animal é meu amigo, mexeu
com ele, mexeu comigo”. Promovido pelo movimento Crueldade Nunca Mais, o evento
mobilizou interessados em mais 514 cidades. “Pedimos a detenção de dois a seis
anos para esses casos”, diz uma das organizadoras, Cíntia Frattini. Sua
entidade criou até um abaixo-assinado para a causa, que já conta com 230 000
assinaturas. Outra passeata, realizada no dia 25, de novo na Paulista, fez
reivindicações semelhantes.

Cada vez mais políticos embarcam na história, aumentando o
número de projetos ligados à área. Na última eleição, o campeão de votos na
Câmara Municipal foi Roberto Tripoli (PV-SP), que se diz responsável pela
construção do primeiro hospital público para pets da capital, inaugurado em
julho do ano passado no Tatuapé. Uma proposta do deputado federal Ricardo
Tripoli (PSDB-SP), irmão de Roberto, depende apenas da aprovação no plenário.
Ela prevê punição, no caso de morte de cachorros e gatos, de três a cinco anos
de prisão para o agressor se o crime for doloso, com a intenção de matar (ou
seja, abre a perspectiva real para o criminoso cumprir a pena na cadeia). Se
for culposo, sem intenção de matar, a pena varia de três meses a um ano, mais
multa. “A demanda popular ajudou a mudar a consciência dos políticos”, acredita
Tripoli. Na Câmara Municipal de São Paulo, somente neste ano surgiram seis
propostas ligadas à questão animal (uma a mais que no ano passado inteiro).
Entre elas, aparece a tentativa de proibir o comércio de foie gras (fígado de
ganso, ave alimentada à força para que seu órgão engorde) e a fabricação de
roupas com pele de animais. Algumas dessas são peças oportunistas que não
contribuem decisivamente para a questão fundamental: impedir que os bichos
sejam maltratados, sob qualquer pretexto — e quem fizer isso deverá ser punido
na forma da lei.
Como as mudanças nas
leis são lentas, os protetores independentes continuam desempenhando um papel
importante no combate aos maus-tratos. O casal Luiz Scalea e Giuliana Stefanini
recebe cerca de cinquenta ligações com pedidos de ajuda todos os dias. Por
semana, eles fazem pelo menos sete resgates de pets abandonados. Em um lar temporário,
cuidam de sessenta cães e 150 gatos. Eles pagam as despesas com doações e
dinheiro próprio. “Tomamos para nós uma responsabilidade que é do poder
público”, diz Scalea. Em sua rotina, a dupla depara com situações revoltantes.
Segundo eles, já viram até um serial killer de animais que enterrava os
cachorros vivos. Para tentarem mudar a consciência das pessoas, dão palestras
em escolas sobre o assunto. “Esperamos poder transformar algo”, afirma
Giuliana. “Eu me pergunto como as pessoas podem ser tão cruéis. Os bichos
também têm sentimentos.”
PELO FIM
DA CRUELDADE
A rotina do Gecap, órgão que lida com maus-tratos.
› Desde fevereiro de 2012, quando começou a funcionar, o Gecap
recebeu mais de 1 000 denúncias de maus-tratos a animais.
› Cerca de 90% dos procedimentos estão relacionados a crimes
contra animais domésticos. › O órgão conseguiu que o pagamento das penas dos
réus condenados fosse direcionado a instituições da área animal. Na maioria das
vezes, eles devem arcar com pacotes de ração no valor de um salário mínimo.
› O artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais prevê detenção de três
meses a um ano, mais multa, para quem agredir um bicho. No caso de morte, a
pena pode ser aumentada em até um terço.
COMO DENUNCIAR
Alguns
canais para ajudar os bichos em perigo
›
Mande um e-mail para gecap@mp.sp.gov.br. Além de fazer a denúncia, informe o endereço da ocorrência,
algum telefone de contato e o nome da pessoa responsável. Se possível, anexe
também fotos, que são de grande ajuda para a investigação.
› Em caso de emergência, chame a polícia (telefone 190). Depois, procure qualquer delegacia para fazer um boletim
de ocorrência. Lembre-se que sem o B.O. é impossível que o agressor seja
penalizado. Caso os policiais se recusem a
fazê-lo, fale com a corregedoria (telefone 3322-0190)
›
Ligue para o Disque-Denúncia (telefone 181)
RELATO DE CASOS
6.set.2013 -
por Carolina Giovanelli
“Fiquei acorrentado ao
relento, passando frio, durante quatro meses. Meu dono só às vezes me dava um
pouco de comida. Os vizinhos já tinham chamado a polícia em algumas ocasiões,
mas os PMs vinham e nunca faziam nada. Estava pele e osso, quase morrendo de
fome, quando alguns protetores de animais, entre eles a apresentadora Luisa
Mell, vieram ajudar a mim e ao labrador que morava comigo. Ufa! Muito
assustado, fui com meus salvadores a uma delegacia de Cotia, onde morava, e os
policiais não quiseram registrar o boletim de ocorrência de maus-tratos,
acredita? O pessoal brigou tanto lá que conseguiu. Depois, eles me levaram a
uma clínica na Zona Leste, onde disseram que eu estava com infecção e anemia
profunda. Precisei de transfusão de sangue. Meu tratamento foi todo custeado
por doações. Agora, estou em um regime de engorda. Afinal, cheguei com apenas
10 quilos, quase metade do meu peso ideal. A doutora Theomaris Mendes (foto)
está me ajudando a melhorar. Estou quase 100% bom. Só falta agora eu achar uma
nova casa.”
—
Chumbinho, 3 anos
Aos
poucos, porém, estão sendo criadas medidas para dar mais força aos direitos dos
animais. Em um grande passo para a causa, começou a funcionar em fevereiro do
ano passado o Grupo Especial de Combate aos Crimes Ambientais e de Parcelamento
Irregular do Solo (Gecap). O órgão do Ministério Público padroniza a atuação na
área ambiental e delega a investigação dos casos a promotores de Justiça
especializados. Até julho deste ano, o grupo paulistano já recebeu,
principalmente por e-mail, mais de 1 000 denúncias de maus-tratos, ou seja,
cerca de duas por dia. Cerca de 600 delas viraram inquéritos policiais e
procedimentos investigatórios. Aproximadamente 200 resultaram em condenações.
Duas denúncias de maus-tratos contra animais
são registradas diariamente na capital
“Fiquei cego depois de levar uma paulada”
O gato quase morreu e teve que o olho removido em uma cirurgia.
6.set.2013 por Carolina
Giovanelli
”Sempre
fui de passear muito pela vizinhança, aqui no Butantã. Em uma dessas escapadas
de casa, no mês passado, dei de cara com um vizinho que não gosta de animais.
Essa pessoa me machucou muito com pauladas e depois ainda me jogou para o
cachorro dele me morder. Sorte minha que meu dono estava passando por perto,
ouviu os miados e foi me salvar. Eu estava fraquinho, com a respiração lenta,
achei que fosse morrer. Saí com vida do veterinário, mas cego de um olho. Tomei
muitos remédios, mas minha situação piorou e precisei remover o olho machucado
em uma cirurgia na semana passada. Eu era brincalhão. Agora, vivo quieto,
deitado na cama. Meu dono ainda deve 600 reais lá na clínica, pois está
desempregado. Ele vai depor na delegacia no fim do mês. Os protetores do grupo
Bicho Brother estão ajudando a arrecadar dinheiro e também a juntar a papelada
para mostrar à polícia.”
“Morava em uma casa com
centenas de coelhos”
A coelha teve o corpo coberto de feridas
“Minha ex-dona, uma
senhora que morava na Zona Leste, comprou um casal de coelhos. Descuidada
quanto ao fato de que nós nos reproduzimos rápido, ela logo se viu com centenas
de dentuços em casa. Eu era um deles. Vivíamos abandonados. Estávamos doentes e
famintos, em um espaço cheio de sujeira. Somos territorialistas e, como nos
apertávamos em quartos pequenos, sempre brigávamos. Eu protegia minha irmã e,
por isso, levava um monte de dentadas. Quando um coletivo de protetoras veio
nos resgatar, em março do ano passado, eu tinha várias feridas pelo corpo, que
me renderam cicatrizes. Esse grupo conseguiu uma nova casa para mim, para onde
me mudei três meses depois. No começo, eu era desconfiada e arisca. Aos poucos,
fui me soltando. Adoro couve e maçã. Sou só chamegos com minha dona, que é
bióloga, e também com meu namorado-coelho que mora comigo (e é castrado), o
Koala.”
— Preguiça, 2 anos
“Fui abusada e atropelada”
A égua que foi abandonada em uma praça no Campo
Limpo
6.set.2013 por Carolina Giovanelli
”Depois de eu
trabalhar muito, meu dono me abandonou em uma praça do Campo Limpo. Um grupo de
rapazes me viu ali e me estuprou. Eles vieram várias vezes. Para agravar meu
tormento, fui atropelada por uma moto, mas o motorista nem ligou para mim.
Machuquei uma de minhas patas traseiras e não consigo mais esticá-la. Com dor,
fiquei lá quietinha, comendo grama. Até que um morador da área fez um apelo ao
Centro de Controle de Zoonoses para vir me resgatar. Desde março, estou na sede
do CCZ em Santana, onde me deram o apelido de Manca. A situação melhorou. Fico
em uma baia grande onde posso descansar e me alimento de feno e ração. A
doutora Telma Rocha é uma das responsáveis por cuidar de mim. Tenho também a
companhia de outros catorze cavalos recolhidos. Agora, serei doada só a quem
vive em área rural. Não posso mais ser montada nem usada para trabalho.”
— Manca, 9 anos
“Cortaram minhas penas”
O tucano que foi salvo de traficantes de
animais
6.set.2013 por Carolina Giovanelli
"Em meados de agosto, a
polícia ambiental fez uma apreensão na região de São Carlos, interior do
estado, que salvou a mim e outras aves, como maracanãs e gralhas. Foi um
alívio, porque os traficantes de animais me tratavam muito mal. Eu ficava em
uma gaiola pequena e imunda. Nervoso, debatia-me nas grades, o que fez com que
minhas penas se desgastassem. Parte delas já havia sido cortada para eu não
voar. Quebrei uma de minhas patas, que necrosou e caiu. Cheguei a um centro de
recuperação na capital com uma ferida aberta e muito magro — agora como ração,
frutas e camundongos recém- nascidos. Tomei um banho e me deram antibióticos.
Assim que melhorar, devo ir morar em cativeiro com outros exemplares da minha
espécie.”
—
Tucano, 4 anos
“Não souberam cuidar de mim”
O Sagui que ficou com os membros atrofiados
6.set.2013 por Carolina Giovanelli
“Na hora em que meu
ex-dono me comprou no mercado negro, pensou em como seria legal ter um animal
exótico em casa. Porém, não se informou sobre quais eram os cuidados
necessários com um sagui. Na hora de me alimentar, não teve dúvida: ele me deu
um monte de bananas. Na verdade, deveria me dar ração, carne branca cozida,
iogurte e outros petiscos. Como eu não pulava de árvore em árvore (como fazem
os outros da minha espécie que vivem soltos na natureza), porque estava preso,
longe do sol, meus movimentos se atrofiaram e eu fiquei assim, todo encolhido.
Só consigo me arrastar, bem devagar. Meu tutor não gostou de como fiquei e me
doou em agosto ao Centro de Recuperação de Animais Silvestres do Parque Ecológico
do Tietê, onde estão cuidando direito de mim.”
—
Sagui, 6 meses
+ Confira alguns projetos de
lei relacionados aos animais e saiba como acompanhar seus trâmites
Projetos municipais
Como procurar: Entre no site da Câmara Municipal de São Paulo - No lado
esquerdo da tela, em “atividade legislativa”, clique em “projetos” – Em “tipo
de projeto”, selecione “projetos de lei”. Informe o ano desejado e busque a
palavra “animais”
Alguns
dos projetos relacionados a animais de 2013:
-
Proíbe a produção e a comercialização de foie gras e artigos de vestuário
feitos com pele animal
-
Cria o Serviço de Atendimento Médico Móvel de Urgência Veterinário (Samuv),
para cães e gatos, com o intuito de castrar, vermifugar, vacinar, fazer
primeiros socorros e realizar exames
-
Autoriza o transporte de animais domésticos no serviço municipal de transporte
coletivo
-
Funda um abrigo municipal de cães e gatos